domingo, 21 de janeiro de 2007

corta

corta

cena um

o fio afiado da faca

disseca palavras

precisa-se delas

aos pedaços

corta sem machucar

costura borda

remenda o silêncio

transforma o homem

o discurso em ação

fina navalha

corda bamba

fica por dizer a vertigem dos dias

conta

diz onde está o equilíbrio

em movimento?

volta pra estrada

encontra o caminho

corta

mergulha a carne quente

mãos bocas dentes

na corrente gelada

do mar

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

lembra?

lembra?

lembra quando você disse

- agora vou virar de lado, encosta em mim

e eu tão feliz obedeci

como é bom colocar o rosto no teu cabelo

os seios roçando as tuas costas

o sexo nas tuas nádegas

pernas entrelaçadas

pés ancorados aos teus

e lentamente

beijar teu pescoço, tuas orelhas

as mãos acariciando todo o teu corpo

e tua pele macia

de cima a baixo

não esqueço o arrepio de prazer

virar-te para mim

e encontrar teus olhos inexplicáveis

ainda sem tradução

- qual esfinge

te traduzo ou te devoro? -

e mais uma vez

te comer

com minha boca gulosa

minha língua sedenta por você

só tua fonte mata a minha sede

meus dentes mordem tua carne quente

e eu bicho no cio

te quero mais

lembra?

lembra sim

adormecer no gozo

no cansaço

no abraço

dos meus braços

e da distante lua crescente

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

um domingo chuvoso de primavera

um domingo chuvoso de primavera

a vida de cada um seria a do outro

a vida possível, talvez não a desejada

a vida do outro poderia ser a de cada um

recolho fragmentos de frases soltas

cacos de vidro que dilaceram

sei que não lerás nem responderás, mas devo falar

mesmo cansada de lutar contra todas as impossibilidades

dos discursos e das ações

a grande loucura da solidão deve ser essa, falar pra ninguém escutar,

falar em silêncio na madrugada fria, chuvosa, alheia à dor

de qualquer janela onde já vivi pintei trechos do mundo onde me encontro e nas lembranças dos meus olhos revejo os diferentes verdes da vegetação, árvores de vários climas, países e estações

verde cor que gosto, verdes olhos de bruxa assim dizem, paisagens, beira-mar

verdes seriam as fronteiras em paz, na terra sem fronteiras, muros ou grades

paz

a grande solidão dos loucos deve ser essa, falar pra ninguém entender,

falar em praça pública nas tardes quentes,

o zumbido dos mosquitos e moscas ecoando sem fim

rodopia minha insensatez mal contida num invólucro tão pequeno

e o vulcão implode

um sopro de vento mais forte me leva pra longe

o mesmo vento que pode fazer mal e derrubar é o vento que soprou e sopra

em minha memória: o morro dos ventos uivantes, mary poppins, e o vento levou..., lembranças de uma infância inacabada, de uma tempestade em alto-mar, moby dick,

o velho e o mar, o mar, o mar

estranha a atração das águas pelas águas,

viscosas, doces, salgadas, placentas, espermas

não há coincidências

outra ressaca se aproxima

choverá forte e nas ondas estarei

em busca de redenção

da água vieste e à água retornarás

o pó que nos recobre se vai com a ventania

e é esse o medo atávico

- se desnudar, se descobrir, se revelar

penso (em você) sem mais pensar

lembro (de você) sem mais lembrar

já não durmo

sonho (com você) sem mais sonhar

sou o que és,

ocupo-te sem o saberes

porto seguro

onde ancorei minha minúscula embarcação

e descansei enfim

essa casca de noz que flutua

cascas partidas de nós

marinheira de tantas viagens

imaginárias e reais

navego teus pensamentos

sentidos e sentimentos

tento entender

tento, quebrada, perdida, partida...

barquinho de papel

num oceano em fúria

canto das sereias, odisséias

sigo o destino incerto

que quis assim

que me quer assim

sem pertencimento

sem merecimentos

em segredo prossigo

percorro o rio que secou, o Rio de Janeiro, o rio de outubro, o rio de antes

domingo, 7 de janeiro de 2007

naquele dia

o botequim naquele dia

- parece que já faz tempo -

mas dentro de mim parece

que nunca terminou

aquela noite eu quis

que nunca tivesse fim

te amava então

como te amo hoje

madrugada:

caravelas

velas ao mar

alto mar

voltar

chegar à beira mar...

ancorar em porto seguro enfim

descobrir o caminho

de um novo mundo

plantar meus segredos

em terra firme

pra que florescessem

abricós-de-macaco

e se abrissem

em cheiro

em corpo

em palavras pra você

eu louca eu mansa

com meu amor justifico

tua presença

ao meu lado,

visconde dos incêndios

e das embarcações.

não basta

tenho visões da eternidade

na capela da santa do fogo

onde ainda peço um milagre

em praças desta república

(milagre seria

o amor

que me é negado)

a rua vazia de gentes e de sons

as flores murchas

o ar parado

não era chegada a minha hora:

no sobe-e-desce

desta gangorra

fiquei de fora

viro as costas

pra beira mar

sinto na boca

o gosto do sal

partir

sem rumo certo

nem destino conhecido

perder meu norte

meu sul

meu leste

meu oeste

alto mar

me leva

pra longe

deste botequim