sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

um domingo chuvoso de primavera

um domingo chuvoso de primavera

a vida de cada um seria a do outro

a vida possível, talvez não a desejada

a vida do outro poderia ser a de cada um

recolho fragmentos de frases soltas

cacos de vidro que dilaceram

sei que não lerás nem responderás, mas devo falar

mesmo cansada de lutar contra todas as impossibilidades

dos discursos e das ações

a grande loucura da solidão deve ser essa, falar pra ninguém escutar,

falar em silêncio na madrugada fria, chuvosa, alheia à dor

de qualquer janela onde já vivi pintei trechos do mundo onde me encontro e nas lembranças dos meus olhos revejo os diferentes verdes da vegetação, árvores de vários climas, países e estações

verde cor que gosto, verdes olhos de bruxa assim dizem, paisagens, beira-mar

verdes seriam as fronteiras em paz, na terra sem fronteiras, muros ou grades

paz

a grande solidão dos loucos deve ser essa, falar pra ninguém entender,

falar em praça pública nas tardes quentes,

o zumbido dos mosquitos e moscas ecoando sem fim

rodopia minha insensatez mal contida num invólucro tão pequeno

e o vulcão implode

um sopro de vento mais forte me leva pra longe

o mesmo vento que pode fazer mal e derrubar é o vento que soprou e sopra

em minha memória: o morro dos ventos uivantes, mary poppins, e o vento levou..., lembranças de uma infância inacabada, de uma tempestade em alto-mar, moby dick,

o velho e o mar, o mar, o mar

estranha a atração das águas pelas águas,

viscosas, doces, salgadas, placentas, espermas

não há coincidências

outra ressaca se aproxima

choverá forte e nas ondas estarei

em busca de redenção

da água vieste e à água retornarás

o pó que nos recobre se vai com a ventania

e é esse o medo atávico

- se desnudar, se descobrir, se revelar

penso (em você) sem mais pensar

lembro (de você) sem mais lembrar

já não durmo

sonho (com você) sem mais sonhar

sou o que és,

ocupo-te sem o saberes

porto seguro

onde ancorei minha minúscula embarcação

e descansei enfim

essa casca de noz que flutua

cascas partidas de nós

marinheira de tantas viagens

imaginárias e reais

navego teus pensamentos

sentidos e sentimentos

tento entender

tento, quebrada, perdida, partida...

barquinho de papel

num oceano em fúria

canto das sereias, odisséias

sigo o destino incerto

que quis assim

que me quer assim

sem pertencimento

sem merecimentos

em segredo prossigo

percorro o rio que secou, o Rio de Janeiro, o rio de outubro, o rio de antes